Desafios e oportunidades na gestão de riscos de secas e de inundações

Um recente estudo publicado na revista Nature mostra os desafios para nossa sociedade sobre a gestão de riscos de secas e de inundações sem precedentes.

Por Eduardo Mario Mendiondo, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da USP

Um recente estudo publicado na revista Nature mostra os desafios para nossa sociedade sobre a gestão de riscos de secas e de inundações sem precedentes. O estudo é liderado pela dra. Heidi Kreibich, do GFZ/Potsdam, Alemanha, coautorado por pesquisadores de vários países e da Escola de Engenharia de São Carlos da USP (EESC/USP). Os coautores da EESC/USP participam dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) INCLINE e CEPED/USP, e participam da Subcomponente de Segurança Hídrica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas Fase 2, INCTMC2-FAPESP coordenado pelo CEMADEN/MCTI, e se articulam junto a um laboratório-ateliê: o WADILab (Water-Adaptive Design & Innovation Lab), criado na EESC/USP em 2017 após experiência junto ao CEMADEN/MCTI.
Este artigo da Nature mostra, primeiro, que estudos comparativos e interdisciplinares reforçam a tese que a redução de risco de desastres passa pela integração de todas as dimensões de risco. Assim, o artigo aponta que a quantificação completa dos riscos, com múltiplas ameaças, dos níveis de exposição e dos graus de vulnerabilidade, apresenta interações peculiares e até paradoxos em diferentes partes do planeta. A solvência financeira de setores usuários, como hidrelétricas, companhias de saneamento, perímetros de irrigação, mineradoras, navegação etc., depende de como se gerenciam esses riscos a extremos hidrológicos. Isso passa por uma comunhão entre medidas estruturais e não estruturais, e por aceitar a gestão da oferta e a gestão da demanda de água. O que leva a uma “reflexão-ação-reflexão socio-hidrológica” promovida pela Década 2013-2012 Panta Rhei Everything Flows (Society & Hydrology Under Change) da International Association of Hydrological Sciences.

Exemplos recentes: o caso de São Paulo
Por exemplo, a construção de reservatórios para conter efeitos de secas é fundamental para segurança hídrica. Porém, seu sucesso está condicionado a ter campanhas de popularização da ciência e de incorporação de competências na educação (primária, média e superior) que incentivem o uso racional, o reaproveitamento e o reúso de água. Sem essa conscientização cultural e de melhores hábitos, a simples existência de mais reservatórios pode até induzir ao expressivo consumo de água. Assim, aumentariam os riscos de déficits hídricos futuros e trariam as chamadas “secas socio-hidrológicas”, criando um círculo vicioso, com a necessidade de mais reservatórios. Este enorme potencial de reúso de água foi mostrado em outro estudo recente para a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), liderado por Felipe A. A. de Souza, doutorando do PPG de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP e coautor deste artigo da Nature. Estes cenários promissores justificam a necessidade da recente Cátedra Unesco da USP sobre Águas Urbanas: Qualidade, Gestão, Reaproveitamento e Reúso, sediada desde 2020 pela EESC/USP.

Segundo, também o artigo da Nature destaca a ciência cada vez mais interdisciplinar. Embora crescente, ela tem ainda muito a expandir. Felizmente, jovens pesquisadores estão abertos ao diálogo interdisciplinar e evitam a ciência isolada em “silos”. Paralelamente, os programas de pós-graduação (PPGs) e institutos de pesquisa e de ensino superior (IES) devem promover este movimento. Por exemplo, várias ciências podem ser integradas a abordar desastres que são eventos intrinsecamente multidisciplinares, como reforçado no artigo da Nature. Um exemplo dessa ação interdisciplinar é que eventos extremos como secas e inundações precisam fomentar instrumentos de transferência de riscos, como os seguros indexados sob mudanças climáticas. Os também coautores deste artigo, o dr. Guilherme S. Mohor, hoje pesquisador na Universidade de Potsdam, Alemanha, e o prof. dr. Diego Guzmán, docente da Pontifícia Universidad de Bucaramanga, Colômbia, ambos ex-alunos do PPG de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP, mostram em outro artigo recente que essa “interdisciplinaridade-em-ação” via seguros para extremos é possível, viável e promove um diálogo mais inclusivo de governança e segurança hídrica para a RMSP.

Ciência aberta + nova regulação = oportunidades à vista
Este artigo da Nature, ao juntar dezenas de casos de todos os continentes, mostra tanto os casos de sucesso como os, digamos, “mal-aprendidos”. Dado que a transferência das experiências não é simples, a construção de um banco de dados, no formato showcase disponível no artigo, é uma iniciativa promissora. Esses bancos de dados promovem os princípios F.A.I.R. de ciência aberta e são de utilidade para outros grupos interdisciplinares no Brasil, dentro os quais destacam-se o Centro de Pesquisa em Engenharia sobre Inteligência Artificial (C4AI/FAPESP/IBM, coordenado pelo Inova/USP), o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Matemática Aplicada para Indústria (CEPID-CeMEAI/FAPESP, coordenado pelo ICMC/USP), e o Consórcio de Gestão de Riscos de Desastres e de Resiliência Social (MADIS/Belmont Forum/FAPESP, coordenado pela FSP/USP, antes denominado Observatório da Teoria da Mudança para Resiliência aos Desastres, TOCO_DR).

Finalmente, o artigo da Nature traz uma reflexão maior sobre a valoração de temática e de parcerias futuras. “Embora seja desafiadora, a gestão de riscos no Brasil está cheia de oportunidades”, complementa o prof. Eduardo Mario Mendiondo, docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC/USP, mentor do WADILab e coautor do artigo da Nature. Sendo Mendiondo pesquisador principal do INCTMC2 e dos NAPs INCLINE e CEPED, ele indica novas sinergias junto ao C4AI, ao CeMEAI e ao MADIS. “Temos um novo Marco de Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), uma nova Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei Federal 14.119/2021) e um Plano Nacional de Segurança Hídrica que projeta R$ 110 bilhões até 2035. Portanto, há espaços para vários grupos participarem nas metas de universalização do saneamento e da segurança hídrica. Isso representa uma forte motivação às jovens gerações buscarem, através da ciência interdisciplinar, as novas oportunidades no Brasil, um mercado de trabalho continental e com opções para empregos na área de sustentabilidade ambiental, capital natural e sociedade.”

Link completo para o artigo da Nature (open access): https://www.nature.com/articles/s41586-022-04917-5

FONTE: JORNAL DA USP

Compartilhe esse conteúdo:

Siga-nos:

Parceiro de conteúdo

Digital Water

Digital Water

O DW Journal é uma fonte de notícias, artigos técnicos, estudos de caso e recursos científicos sobre o setor de águas, efluentes e meio ambiente. O DW Journal possui como missão, ser um impulsor de atividades técnico-científicas, político-institucionais e de gestão que colaborem para o desenvolvimento do saneamento ambiental, buscando à melhoria da saúde, do meio ambiente e da qualidade de vida das pessoas.

Nossos cursos

DW Journal

Nossos Parceiros

veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions
veolia_water_technologies_solutions

Guia do Saneamento

Produtos

Conteúdos relacionados

Usamos cookies para personalizar conteúdos e melhorar a sua experiência. Ao navegar neste site, você concorda com a nossa Política de Privacidade.