Por Mario Moscatelli (*)

Especial para Plurale

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Por motivos que variam dos culturais, típicos de colônias de exploração onde o objetivo é faturar o máximo possível no menor tempo possível, educacionais, onde a terceirização da cidadania é a marca de sociedades escravocratas, onde há sempre alguém para fazer o que seria sua obrigação natural e uma patologia, a qual descrevo como sendo a resiliência patológica, isto é, aceitar o inaceitável, dessa mistura pútrida, geramos os monstros ambientais que ainda hoje alimentamos e que corremos o risco de nos engolirem na cidade do Rio de Janeiro.

Uma omissão histórica, sistêmica diante do crescimento urbano desordenado, onde as demandas habitacionais sempre foram tratadas, quando existiram, como favor da classe política misturada com a transformação da estratégica atividade de saneamento como máquina de fazer dinheiro fácil para a máquina de quem monopolizava o serviço, mostram depois de uns cinquenta anos de estelionato ambiental institucionalizado, o produto em nossos corpos d´águas lagunares.

Ecossistemas riquíssimos em biodiversidade, associados com manguezais, brejos e restingas, as lagoas, produziam um dos motivos dessa cidade ser chamada de maravilhosa. A produção da qualidade de vida e do que isso representava na vida dos moradores da cidade, foi sendo progressivamente, sistematicamente corroída, pela ausência de planejamento, estratégia no que há mais de civilizatório em qualquer sociedade, isto é, saneamento, bem estar, saúde da população.

Presenciei o escárnio, a pouca vergonha como era tratado o tema em plena zona sul do Rio de Janeiro, durante as frequentes mortandades de peixes, sempre atribuídas pelas notas oficiais de plantão às entradas de frentes frias que revolviam o fundo pútrido da Lagoa. Restava completar que boa parte da podridão vinha justamente do lançamento generalizado de esgoto por meio das galerias de águas pluviais.

Nunca, em tempo algum, que eu tenha conhecimento, qualquer delinquente ambiental governamental pagou pelas centenas de toneladas de peixes mortos bem como pelos custos operacionais para retirar os milhões de peixes mortos. Sempre a culpa era da principal vítima, ou seja, a Natureza.

Sem dúvida, o crime ambiental no Brasil, ainda vale a pena.

Felizmente não há mal que dure para sempre, e fruto da mobilização da sociedade e de alguns poucos agentes públicos realmente responsáveis, conseguimos aos poucos no início do atual século, reverter esse jogo de degradação na Lagoa. A partir de 2021, com a concessão dos serviços de água e esgoto para a iniciativa privada, finalmente a empresa estatal blindada que cobrava, recebia, dava lucro, não entregava o serviço e não era incomodada, deixou o palco de degradação, permitindo assim novos tempos mais promissores no aspecto ambiental.

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Porém no sistema lagunar a história ainda não teve ainda final feliz. Recebendo esgoto in natura, algo em torno de meio milhão de moradores, o sistema lagunar de Jacarepaguá (foto acima) é o maior passivo ambiental da cidade do Rio de Janeiro. Do “Sertão Carioca” de Magalhães Correia, em menos de 80 anos, o paraíso foi transformando numa imensa latrina e lata de lixo, com direito de exportação de lixo, esgoto, cianobactérias tóxicas e gigogas para as praias da Barra, Joatinga, São Conrado e até zona sul, dependendo do volume e das correntes.

Como disse no início dessas linhas, o que interessa historicamente nesse lugar é faturar a todo e qualquer custo, sempre muito rápido e amplamente amparado na omissão sistêmica do poder público como da sociedade patologicamente resiliente.

Mas também aqui, a partir de 2021, com a mesma concessão dos serviços de água e esgoto, surge a oportunidade de fazer valer o que nem os jogos pan americanos e tão pouco os jogos olímpicos com seus supostos legados ambientais fizeram: a recuperação do sistema lagunar.

Os próximos cinco anos nos dirão na prática, se com a entrada da iniciativa privada nesse ramo tão maltratado e explorado politicamente, conseguiremos de fato reverter décadas de delinquência ambiental e enriquecimento das castas que se beneficiaram da degradação ambiental e socializaram suas perdas em termos de qualidade de vida e potencialidades econômicas e ambientais sustentáveis inviabilizadas por esgoto sem tratamento.

O próximo governador, seja ele quem for, terá o privilégio de poder colaborar com esse processo civilizatório que até hoje não se consolidou no Rio de Janeiro, não por conta de falta de dinheiro, mas simplesmente por falta de vergonha na cara, falta de vontade e certeza da impunidade que os grupos que enriqueceram com a degradação tinham.

Não há mal nem paciência que dure para sempre e com certeza a da Natureza, já acabou.

 

(*) Biólogo, Mestre em Ecologia e especialista em gestão e recuperação de ecossistemas costeiros.

 

Fonte: Revista Plurale

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